#9 | Escrita
Texto de meados de abril de 23, quando comecei a me entender escritora e a me apresentar como tal
Na lista das coisas que pedi ao virar de 23 para 24 não estava a intensidade, afinal, que anos intensos foram o que se passaram desde 22. Mas, vejam vocês, temos que tomar cuidado com o que pedimos, mas também com o que deixamos de pedir.
A ausência dos últimos meses se explica, claro, pelo fato de eu jamais ter prometido regularidade — mentira —, mas também porque tenho me dedicado bastante ao trabalho criativo, às palavras, cursos e clubes de escrita e à minha própria oficina de escrita!
O texto que trago hoje — porque sinto falta de simplesmente publicar, e, afinal, qual é o escritor que não quer ser lido? — foi escrito e meados de abril de 23, quando eu estava imersa em caos, mas paricipei de um curso que me trouxe à superfície e me mostrou que somente a escrita poderia me salvar e, olha só: salvou. E salva todos os dias.
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Escrita
Quando me perguntam por que eu sou jornalista ou por que eu escrevo, eu costumo responder muitas coisas. Porque meus pais são. Principalmente, porque meu pai é. Porque, há alguns anos, eu queria trabalhar com esporte. Ocupar a bancada de um desses noticiários esportivos da TV fechada. Comentar Futebol Americano. Depois, por que eu continuei quando pude desistir e migrar para a gastronomia? Porque sim, basicamente. Porque eu não queria desistir de novo, pela terceira vez.
Mas não. Não tem nada a ver com isso. Eu quis ser jornalista porque eu sempre quis escrever. O sentido mais profundo da escrita é o que sou. Escrevo desde os nove anos. Escrevi minha adolescência inteira e eu não podia passar a vida inteira fazendo outra coisa que não escrever.
Escrevo porque entendi e entendo sempre que escrever não é somente encaixar letra atrás de letra e palavra atrás de palavra como se fossem blocos de montar, como se fosse um projeto de engenharia em que nada poder ficar fora do lugar ou então vai, simplesmente, cair.
Escrevo porque escrever parece muito mais com panificação do que com construção. E na panificação a gente não deve seguir regras, sabia? Eu também demorei um pouco a aprender. Quantos pães eu não endureci, solei, perdi por colocar a quantidade milimetricamente exata de água e farinha? Foi só depois, quando entendi que panificação depende do clima, se está calor ou frio, úmido ou seco, se minhas mãos estão quentes ou não, para dar certo.
O mesmo ou quase isso vale para a escrita. Esta também depende do clima tanto quanto eu dependo do clima para dar certo. Se minhas mãos estão quentes conta para a escrita? Claro que sim. Minha mão, meu corpo inteiro.
Escrever, para mim, é muito mais sovar uma massa, apertar, esmagar, esperar seu crescimento, tocar, esperar de novo, do que empilhar blocos ou palavras.
Eu não tenho um processo de escrita. Já tentei, mas não tenho. Queria muito ter. Não pela minha escrita, porque eu acho que, independentemente de processos, ela vai continuar a mesma. Mas por mim. Ao longo das seis aulas desse curso eu não aprendi que escrita é cuidado e cura de mim mesma. Não aprendi porque já sabia. O que ocorreu ao longo das seis aulas desse curso foi que a escrita despertou em mim, renasceu em mim, dentro de mim e para mim.
Eu não tenho um processo de escrita. Escrevo o que dá na telha e brota da ponta dos meus dedos desde os nove anos e amo. Sinto um prazer genuíno e real no ato de escrever. No bater da ponta dos meus dedos nas letras do teclado conforme as frases vão se formando dentro de mim.
Quando eu tentei escrever em fermentação lenta, com um processo pensado, detalhado, que me tomou dias e dias, é claro que deu certo. Saiu de dentro de mim um dos melhores textos que eu podia ter escrito e que bom. Mas foi também em uma sentada, em um lapso, um surto, um grito, até no teclado do celular, que surgiram os textos de que eu mais gosto e mais gostei de ter escrito.
Uma vez, quando eu era adolescente, minha avó vendeu a casa dela para uma família que tinha uma menina de uns nove ou dez anos – a idade que eu tinha quando eu descobri que sabia e que gostava de escrever. Tentamos ser amigas, o que, desde sempre, eu sabia que não daria certo, uma vez que eu era bem mais velha que ela – tinha treze anos. E ela quis conhecer minha casa e eu estava, como sempre estava, àquela época, escrevendo.
Ela perguntou se eu gostava de escrever e eu disse que sim. Ela perguntou se eu gostava de escrever no caderno também e eu disse que sim. Ela disse que não, que escrever de caneta no papel era chato, mas que escrever no computador era legal. Mas eu não gostava, nunca gostei da mecânica de escrever. Não é o ato frio e objetivo de digitar ou desenhar letras em uma folha o que me atrai, mas escrever. Ela não sabia, não entendia a diferença. E, sinceramente, eu sei? Talvez não, nunca vou saber explicar, mas eu sei que existe.
Escrever é algo que está em mim desde sempre e, por mais mecânica que tenha se tornado essa função, por mais utilitarista que tenha se tornado a minha escrita porque é a única coisa que eu sei e posso fazer para ganhar algum dinheiro, a escrita jamais deixou de ser tudo o que eu tenho.
Gosto dos jornalistas esportivos – que eu não fui e já não serei mais – que sempre relatam que escolheram esse ofício porque eram apaixonados por futebol, mas não eram bons de bola, então se descobriram bons com as letras. É o caso de Eduardo Galeano, mas é também um pouquinho o meu caso, em certa medida.
Meu mestre relata, no início de Fechado por motivo de futebol, que ele escreve (porque nunca se conjuga verbos no passado para falar de gente como ele) que tentou muitos outros ofícios que não o futebol. Tentou “vários, sem sorte, até que finalmente comecei a escrever, para ver se saía alguma coisa”.
Eu também. E olha que eu sempre soube que saía alguma coisa do que eu escrevia. Mesmo assim, tentei incontáveis outros ofícios. Tentei muitas outras coisas que talvez até passassem perto da escrita, mas não eram a escrita. Só a escrita é o sentido mais profundo do que a escrita é para mim, ou seja, tudo. Se tirar a escrita de mim, não resta nada.
O que tenho lido?
Muita coisa e nada ao mesmo tempo. Este está sendo, sem dúvidas, o ano em que eu tenho lido menos entre todos os últimos desde, pelo menos, 2018. Mas as leituras venho fazendo são sempre muito ricas.
No momento estou na minha segunda tentativa de ler um romance de Virginia Woolf. No início do ano, tentei ler As ondas, romance experimental da autora. Extremamente complexo e polifônico. Eu, que gosto de silêncio, cansei com tantos personagens falando ao mesmo tempo. Deixei pra dar uma nova chance mais tarde.
Ao farol também é uma narrativa complexa e cheia de vozes, mas tenho conseguido compreender e me envolver mais com as histórias dos personagens. Tem sido uma boa leitura.
Entre as leituras que posso recomenda por aqui estão a newsletter do Arthur, Ponto Nemo, e a da Gabi, Jangada (em mar aberto). Textos deliciosos e, olha que coincidência, as duas têm relação com o mar!
O que tenho feito?
Neste mês encerro a participação no Desafio 90/90 da Escola de Escritoras. Este propôs que um grupo de mulheres que escrevem se dedicassem à escrita de 90 páginas da primeira versão de seu original pelo período de 90 dias.
Essa semana mesmo alcancei as 90 páginas, mas minha história ainda tem algumas páginas para encontrar seu desfecho. Os três meses em que transcorreu esse desafio foram incríveis. Às segundas-feiras, nos reunimos para falar sobre nossos avanços e sobre as dores de ser escritora — que são muito mais e muito maiores do que eu podia imaginar, mas são deliciosas.
O escritor é um indivíduo complexo, mas escrever é maravilhoso. Ao longo dos meses que passei me dedicando à escrita do meu primeiro livro, descobri muitas coisas, entre elas, que a história se escreve sozinha e que os personagens se conduzem por conta própria: eu sou só um veículo.
Sem saber como vou sobreviver às segundas vazias quando o desafio terminar, me inscrevi no Clube de Escrita também da Escola de Escritoras e agora as manhãs de sábado têm um tom de lilás com aroma de lavanda.
Também comecei a ministrar minha própria oficina de escrita. No final de 23, fui contemplada no edital da Lei Paulo Gustavo e, no último dia 1º, teve início Palavra: substantivo feminino.
É neste contexto em que eu encontro, semanalmente, um grupo de mulheres da minha cidade para falar sobre escrita e produzir literatura. Tem sido uma experiência fantástica sobre a qual certamente falarei bem mais mais adiante.
Vocês podem me encontrar no instagram nilamaria.doc, canal que criei exclusivamente para compartilhar minhas experiências como escritora e agente cultural.
Até a próxima, seja ela quando for!
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